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Ser Solidário


Há dias, eu dizia que não poderia haver verdadeira solidariedade sem liberdade, sobretudo liberdade de expressão. E questionava como é que alguém pode exprimir a sua solidariedade se tiver a sua voz, a sua pena, condicionadas pelo politicamente correcto, pelo partido, pelo chefe, pelo patrão. E reflectia ainda sobre os muitos exemplos de pessoas que, pelas mais diversas razões, mas todas tendo a ver com a liberdade de expressão, nunca tiveram uma palavra, um gesto para com um amigo, vítima de qualquer percalço, só porque isso lhe causaria dissabores. É bom acentuar aqui que as palavras e os gestos de solidariedade deverão ser, em muitos casos, discretos, privados. Mas não devemos esquecer que há situações em que essas palavras, esses gestos só terão verdadeiro valor se forem públicos.
 
Dito isto assim, até pode dar a impressão que eu restrinjo a solidariedade às palavras. Não, nada mais falso, relativamente ao meu pensamento. Só que, no momento, o tema era liberdade e eu questionava o que ela ou a sua falta poderia reflectir na solidariedade.

Solidariedade pode manifestar-se das mais diversas formas e o curioso é que o mesmo gesto, a mesma acção pode em determinado momento significar solidariedade, noutro não. Por isso temos que ser inteligentes e discretos para perceber correctamente o que é que naquele momento exacto o nosso amigo mais precisa. Há uma tendência para alguns pensarem que a solidariedade exige desprendimento de dinheiro, de muito tempo, de muito esforço. Pode também exigir isso, mas nem sempre é de dinheiro, de muito do nosso tempo nem tão pouco de esforço que o nosso irmão precisa. Mesmo que precisasse de tudo isso, a alegria pelo bem que se fez, compensava tudo, por excesso. Para se ser solidário, às vezes basta uma palavra, uma carícia, o chamar pelo nome, o dar o ombro, ou mesmo o silêncio. Silêncio, exactamente. Quantas e quantas vezes é apenas disso, e só disso que os nossos amigos precisam e nós não somos capazes de os entender e falamos, falamos, fazendo-os sofrer cada vez mais. Daí eu dizer que não restrinjo a solidariedade às palavras. O que não conjuga nunca com solidariedade é a indiferença. Passarmos ao lado de quem sofre, de quem necessita que lhe estenda a mão, de quem apenas quer ouvir uma palavra, de quem quer silêncio, fazendo de conta que nada se passa é a antítese da solidariedade.

Solidariedade, no fundo, é sabermos viver juntos, é compartilharmos o bem e o mal, as vitórias e as derrotas, as alegrias e tristezas. Ser solidário é ajudar o outro sem esperar pagamento, é dar sem esperar receber. Na “Carta a Pollak” Franz Kafka escreve, passo a citar, “ entre muitas outras coisas, tu eras para mim uma janela através da qual podia ver as ruas. Sozinho não o podia fazer” – fim de citação. Isto é solidariedade.

Felizmente, ainda encontramos muita gente com esse sentimento da solidariedade bem desperto, utilizando-a a preceito como a manifestação de qualquer virtude exige e recomenda, para que não perca, exatamente, o estatuto de virtude e passe a rotular-se de outra coisa, não muito bonita e muito pouco virtuosa. Como disse Óscar Wilde “muita gente estraga a vida com um doentio e exagerado altruísmo”.

Continua a preocupar-me a segurança das crianças: na família, na rua, nas escolas, nos transportes. Por mais medidas legislativas que se tomem e têm tomado e é bom que continuem a tomar, sem fiscalizar a aplicação da lei, sem uma mentalidade nova relativamente ao problema, continuaremos a ver as nossas crianças estropiadas, maltratadas, mesmo mortas. Há dias uma criança, que ainda não tinha completado três anos, foi brutalmente atropelada, depois de fugir ao controlo da mãe para o meio da estrada. O avô teve este comentário: “Contra a sorte nada feita.” Um vizinho teve o seguinte: “São horas do diabo”. Sintomático, não?! A continuarmos a atribuir tudo o que acontece à sorte ou destino ou às horas do diabo, não vamos longe.

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